quarta-feira, 21 de março de 2012

Jaime Brasil, esquecido?




Depois de ter lido algumas notas biográficas sobre o escritor e jornalista Jaime Brasil, nomeadamente em algumas publicações de expressão libertária, fiquei curioso por conhecer um pouco mais acerca da sua vida e obra. Para o efeito, para além de procurar, sem muito sucesso, nas duas principais bibliotecas de Ponta Delgada, textos da sua autoria, sempre que ia a Lisboa dirigia-me a algumas livrarias, sobretudo, nas que vendem livros raros, com o intuito de adquirir alguma obra da sua autoria. Só depois de várias tentativas a minha persistência foi coroada de êxito, tendo ocorrido no passado mês de Fevereiro com a compra do livro “Zola, o escritor e a sua época”, editado pela Portugália, em 1966.

Artur Jaime Brasil Luquet Neto nasceu em Angra do Heroísmo, em 1896, e faleceu em Lisboa, em 1966. A propósito da sua personalidade, Joaquim de Montezuma de Carvalho e Jorge Tufic escreveram: “Lembrar o açoriano Jaime Brasil … é realçar as melhores virtudes do açoriano, tipificadas em Antero de Quental (Ponta Delgada, 1842 – 1891), a verticalidade nas ideias de emancipação do homem e, simultaneamente, a doçura do trato que, em tantos ideólogos, inexiste.”

Jaime Brasil foi um jornalista notável, tendo trabalhado, entre outros jornais, no Primeiro de Janeiro, no Século, no Diabo, em O Globo e colaborado em muitos outros e em revistas.

Na área do associativismo, em 1925, Jaime Brasil fundou o Sindicato dos Profissionais de Imprensa de Lisboa, tendo sido o seu primeiro secretário-geral e mais tarde, em 1939, quando residia em Paris, fundou e foi, também, secretário-geral da União dos Jornalistas Amigos da República Francesa.

De entre os seus livros publicados destacaria um conjunto de biografias, de que são exemplo: Vida e Obras de Zola (assinado A. Luquet), Leonardo Da Vinci e o Seu Tempo, Velásquez, Zola – O Escritor e a Sua Época e A Vida Inquieta e Gloriosa de Victor Hugo.

Embora tenha apenas lido um dos livros mencionados, corroboro a opinião de quem escreveu a nota biográfica de Jaime Brasil que foi publicada em Zola- O Escritor e a sua Época. De acordo com o mencionado autor, as obras referidas, além de serem escritas num estilo claro, ágil e elegante, revelam um conhecimento profundo da época dos biografados e acrescenta: “São perfeitas reconstituições históricas, num plano substâncial que abrange a política, a cultura, os grandes movimentos de ideias, sobre cujo pano de fundo sobressaem, bem integradas na dialéctica do tempo, a figura e a obra dos seus biografados.”.

Jaime Brasil foi um polemista exímio, sendo de destacar a polémicas com Raúl Proença, intitulada “Em defesa do jornalismo”, e com António Sérgio, tendo publicado quatro artigos sobre «Os verdadeiros e reflexivos heróis no conceito do sr. António Sérgio».

Jaime Brasil colaborou também no Suplemento Semanal do jornal “A Batalha”, órgão da Central Geral dos Trabalhadores, central sindical anarco-sindicalista, onde entre outros manteve uma série denominada “Paradoxos Bárbaros”, uma coluna de crítica literária intitulada «Através dos Livros» e outra que terá tido, no dizer de Luís Garcia e Silva, maior impacto nos leitores, designada “Voz que clama no deserto”.

É desta coluna, escrita com muita ironia, que abaixo transcrevo o seguinte extracto:

«Evidentemente que temos os generais e as forças vivas – temos a ditadura. Ditadura, porém, tem sido isto sempre, ora ditadura do rei, ora do executivo, ora do legislativo. Ditadura heróica com Afonso Henriques, ditadura doida com D. Sebastião, ditadura às direitas com Pombal, ditadura às esquerdas com Afonso Costa, ditadura civil com os Cabrais, ou com o António Maria, ditadura militar com o Sidónio ou com o Vitorino, ditadura de saias com a Srª D. Maria II, ditadura de botas e esporas com o sr. Manuel Maria, e até já os ditadores do Alcaide – essa terra famosa para homens bravos – foram experimentados e não deram resultado nenhum.»

Se Jaime Brasil fosse vivo actualizaria o seu texto e acrescentava às ditaduras anteriores, a de Salazar, a tentada do capitalismo de estado, a do neo-liberalismo e a da Troika com os seus regentes.

Teófilo Braga

Fonte: Correio dos Açores, 21 de Março de 2012